A Copa do AV

brasil x suíça 2

VAR: sigla em inglês de video assistant referee. Em português: árbitro assistente de vídeo. Sigla em português: AAV.

A primeira coisa a dizer sobre o VAR é que, se prevalecesse para toda a linguagem do futebol o que prevalece para ele, ainda chamaríamos o futebol de football, gol, de goal, goleiro de goalkeeperr, juiz, de referee, e jogo de match

Fui conferir e vi que, em Portugal, onde chamam gol de golo, estão adotando a palavra VAR, assim, sem tradução e toda em maiúscula. É sigla, mas fica feio, escrita, porque se destaca no texto, principalmente se for usada muitas vezes.

Não é novidade; já nos anos 80, Aids foi adotada assim no Brasil — em Portugal, é Sida, sigla traduzida para o português. No Brasil, sida não pegou, e ainda há muita confusão: todas as letras maiúsculas? Só a inicial? Todas minúsculas? Cada um escreve de um jeito, cada veículo adotou uma forma. Em comum, apenas o desrespeito à lei ortográfica brasileira. Sim, pouco sabem, mas existe uma lei ortográfica.

Dito isso,  e enquanto não aparecem soluções para o VAR (a minha é usar simplesmente árbitro de vídeo), quero voltar ao que está escrito no título: esta é a Copa do AV.

Há outros motivos para se lembrar dessa Copa, e o mais importante deles é o fato de ser na Rússia. Gostaria de estar na Rússia vendo a Copa e conhecendo o país. Poucos países são tão interessantes quanto a Rússia, e mesmo pela tevê a gente — o mundo inteiro, as possas mais simples — tem oportunidade de saber mais sobre a Rússia do que teve a vida inteira. E com imagens ao vivo.

(Parêntesis para dizer que tem um destino ainda melhor nesta Copa do Mundo: Itália. Todos os olhos voltados para a Rússia, os turistas chatos todos lá, a Itália fora de Copa, vivendo sua vidinha normal, verão na Europa… Não há época melhor para visitar a Itália.)

No entanto, a decisão intempestiva da Fifa de adotar o AV nesta Copa, tornou a nova tecnologia a principal estrela do torneio. Ainda que os jogos da primeira rodada tenham sido bem interessantes e a Copa tenha um bom nível técnico.

E aí entro no principal: a polêmica que o AV está provocando no Brasil. É o principal assunto das mesas redondas. O Brasil é o país das mesas redondas de futebol. Discute-se nelas com uma profundidade, uma paixão, uma intensidade, uma seriedade! São tantos os analistas, tão preparados e bem informados! E tamanho o público a assistir e mandar mensagens, comentar! Fico pensando como o país evoluiria rapidamente se houvesse mesas redondas semelhantes sobre política, economia, educação, saúde pública, transporte, meio ambiente e tudo mais. Mas as emissoras de televisão e rádio, os especialistas e o público só estão preocupados com o futebol, não se interessam pelas questões realmente importantes para a nação e seu povo.

Quanto ao AV, tenho de dizer que também me impressionam as polêmicas, as resistências, não pelos argumentos e opiniões conflitantes, que eu compreendo. O que não compreendo — nesse assunto como em outros — é que as pessoas radicalizem seus pontos de vista, em vez de buscar a convergência deles.

É óbvio que:

1) um jogo sem erros de arbitragem (ou, em linguagem matemática, número de erros tendendo para zero) é melhor do que um jogo decidido pelo juiz, que não faz parte do espetáculo. Imagino a final do campeonato brasileiro de 1977 com o AV, o campeonato de 1980 e a Libertadores de 1981 com o AV: quantos títulos expressivos não teria o Galo, hoje? E pelo menos uma seleção não teria um título mundial: a Inglaterra, o de 1966.

2) A arbitragem de vídeo ajuda a diminuir o número de erros, porque proporciona vários pontos de vista dos lances. Numa época em que um jogo de futebol é visto e revisto pelo público, inclusive nos estádios, pelos telões (uma excrescência, diga-se de passagem: ir ao estádio para ver o jogo no telão? Devia ser banido), não tem sentido que só o juiz, que decide, não veja os lances decisivos que todos veem.

3) Todos os esportes usam tecnologia, sem problemas; em todos os esportes o poder dos árbitros tende para a neutralidade, o que faz com que praticamente não se fale em arbitragem, neles, e assim deve ser também no futebol. Por que o juiz tam que tanto poder quanto no futebol? Por que tem que aparecer tanto, interferir tanto? Juiz não é parte do espetáculo, o melhor juiz é o que a gente nem percebe que está em campo. O futebol tem essa coisa antiga que precisa desaparecer e a arbitragem de vídeo vai ajudar, tornando a regra mais importante do que o poder imperial do juiz. Se o juiz não seguiu a regra porque não viu, agora o árbitro de vídeo verá e lhe dirá. Se ele insistir em não seguir a regra, ficará evidente sua interferência, sua parcialidade.

4) Como toda novidade, levará algum tempo para que o árbitro de vídeo seja assimilado e se torne corriqueiro, sem prejudicar o espetáculo, e ajudando-o a se tornar mais justo.

5) O árbitro de vídeo deve ver todas as imagens disponíveis e não imagens selecionadas. O diretor de imagens não pode ser uma nova personagem no jogo, e decisiva, ele não é um censor, ou o objetivo da novidade seria desvirtuado.

Por último, é preciso lembrar que o árbitro de vídeo não é uma arbitrariedade, sem trocadilho, apesar da desmoralização que cerca a Fifa. Ele segue um protocolo, que define: a) que o juiz do jogo pode consultar o juiz de vídeo e o juiz de vídeo pode informar o juiz do jogo; b) que isso pode acontecer em relação a quatro situações: 1) gol; 2) pênalti; 3) cartão vermelho; 4) erro de identidade de jogadores.

Enfim, embora a discussão seja necessária e a polêmica seja até interessante, a racionalidade deve imperar. O árbitro de vídeo ajuda a melhorar a arbitragem. É insensato introduzir a novidade numa Copa do Mundo, sem que a maioria dos jogadores, juízes e times esteja acostumada a ela, pois só entrou em vigor recentemente em alguns campeonatos da Europa. Por outro lado, a Copa apresenta a novidade para todo o mundo e testa-a de forma decisiva. Certamente, depois dessa Copa na Rússia, o padrão de arbitragem no futebol vai mudar radicalmente.

Mas o que eu gostaria mesmo é que os brasileiros discutissem sobre os problemas importantes do país com tanta seriedade quanto discutem futebol e estão discutindo o AV.

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