O partido do Judiciário

Eu me divirto lendo textos acadêmicos, observando os caminhos que os autores percorrem para ser coerentes e que revelam suas ideologias. Como este O que está em jogo nas eleições 2022: o Poder Judiciário, publicado pelo Nexo.

Falar da ameaça das fake news às eleições nos faz pensar que antes e por outros meios as informações que chegavam ao público eleitor eram verdadeiras. No entanto, a comunicação tradicional é controlada e manipulada por alguns interesses há décadas e décadas. O que foi a eleição do Collor em 1989, senão fruto de fake news no modelo antigo? Foram os veículos tradicionais que prepararam os golpes de 1964, 1992 e de 2016.

Infinitamente mais importante é essa proeminência do Judiciário, que também participou dos inúmeros golpes à democracia nas últimas décadas, o último deles apoiando a larvajato e seus crimes enquanto lhe foram úteis e descartando-os depois quando também foi útil fazê-lo. Será isso o protagonismo do Judiciário na “consolidação do nosso regime democrático?” Que cientistas são esses que não veem que esse protagonismo vem de um poder que não é eleito pelo voto popular? Como esse discurso pode ser coerente com a aparente defesa da democracia que o texto faz?

Das duas, uma: ou esse poder “rule making” não é democrático ou a democracia que ele procura consolidar precisa ser revista, mas não por iluminados não eleitos e sim pelo voto popular, para ser democracia.

Os “cientistas políticos” se identificam com os iluminados do Judiciário, porque também se consideram iluminados, ao mesmo tempo que têm muita dificuldade de entender o povo, com o qual não se identificam.

O fenômeno das igrejas evangélicas, por exemplo, vem dos anos 70, mas só agora começa a ser levado a sério, ainda cercado de preconceitos. Enquanto isso a direita, que não conta, aparentemente, com a simpatia dos “cientistas políticos”, já dominou esse eleitorado.

Mas o que tem de ruim nisso? A esquerda que derrubou a ditadura também cresceu sobre o eleitorado religioso, só que foi entre católicos, com os quais os “cientistas políticos” da esquerda católica simpatizam. A igreja católica que durante séculos e séculos fez o diabo com os pobres do mundo inteiro é considerada progressista, mas os evangélicos seriam reacionários…

Para esses “cientistas políticos”, assim como para o partido predominante da pretensa esquerda, as interferências autoritárias na democracia são boas quando se dão a favor da sua ideologia e ruis quando vão contra ela.

Nunca é demais lembrar como, por conta dessa falta de independência ideológica, os cientistas políticos foram pegos de surpresa pelo golpe de 2016, golpe que não se limitou ao impeachment, mas se seguiu com o governo Temer, a prisão do Lula, a eleição do bozo e, o que se avizinha agora, a possível eleição do Lula como um presidente da direita civilizada, cujo compromisso de campanha é não desfazer nada que o golpe fez.

Ninguém questiona a contradição, ela já foi assimilada, porque é do interesse dessa pretensa esquerda e desses “cientistas políticos”, de o vice de Lula ser Alckmin, um possível novo Temer. O ex-tucano foi a favor do golpe de 2016 e dez anos antes era o diabo para os lulistas. Agora está do lado de cá, do bem de esquerda, contra o bem de direita, porque tanto a direita como a direita se consideram o bem e o outro lado o mal, nessa política maniqueísta.

Com certeza não foi Alckmin que veio para a esquerda, foi Lula que foi para a direita e levou toda a esquerda católica, marxista-leninista, stalinista e sei lá mais o que, lulista, enfim, com ele. Mas o que é ser de esquerda, quando seu programa e seus aliados são de direita? Os “cientistas políticos” também não se ocupam disso, porque sua ideologia os impede.

Também não é demais lembrar que o agora paladino da democracia, o ministro Alexandre de Morais, foi ministro da Justiça do golpe de 2016. O que isso significa? Não procure resposta no artigo.

Veja-se o trecho abaixo, quase no fim do artigo:

“No contexto dessas eleições, o maior desafio do TSE será o de assumir uma postura ativa e intransigente na defesa do processo e das instituições eleitorais – e da democracia brasileira -, sem tornar-se, ele mesmo, um player na disputa.”

Um texto inteiro mostrando com o TSE é um “player” (não eleito pelo voto popular, volto a lembrar) no jogo democrático para no fim dizer que não ser um “player” na disputa é seu maior desafio…

Não é de hoje que o TSE, assim como o STF, já tomaram partido na disputa, só não vê quem não quer. E os “cientistas políticos” não querem, ou estariam falando disso, olhando para o que os fatos e suas personagens estão dizendo, tentando ver o futuro, em vez de fazer previsões sobre o passado.

É bom que existam intelectuais observando o tema deste artigo, porém, o que eu espero de intelectuais e cientistas é coerência, mais consistência, mais profundidade, mais abrangência, mais ciência. E menos erros de português.

(Crédito da foto: Ricardo Moraes / Reuters.)

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